O Registro Tardio de Nascimento na Perspectiva do CNJ: Estudo Sistematizado à Luz do Provimento nº 177/2024

 Por Gadeccartórios

Brasil, 27 de março de 2025

          A sistematização normativa promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Capítulo II do Código Nacional de Normas – Foro Extrajudicial implica na revisão do tema sob a luz do Provimento CNJ nº 177/2024, que alterou o Provimento nº 149/2023. Para candidatos a concursos de cartório, o tema demanda leitura crítica e domínio técnico, especialmente por sua relação direta com os princípios da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento social.

         O registro civil de nascimento representa o primeiro reconhecimento jurídico do indivíduo perante o Estado. Quando não realizado no prazo legal — previsto no art. 50 da Lei nº 6.015/1973 — aplica-se o procedimento denominado registro tardio, disciplinado nos arts. 480 a 495 do Capítulo II do CNN, instituído pelo Provimento CNJ nº 149/2023 e complementado pelo Provimento nº 177/2024.

         O art. 480 delimita o campo de aplicação do registro tardio, excluindo indígenas — que possuem procedimento próprio, conforme a Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012 — e hipóteses com indícios de registro anterior, as quais devem observar o procedimento de suprimento (art. 205). O art. 481 exige requerimento assinado por duas testemunhas qualificadas, dirigido ao cartório da residência do interessado. Em sua ausência, prevalece a competência do local onde este se encontrar.

         A norma exige, no art. 482, a apresentação de dados essenciais como local e data de nascimento, filiação, naturalidade dos genitores e qualificação completa das testemunhas, além de fotografia e, quando possível, impressão datiloscópica. Para maiores de 12 anos, o art. 483 impõe uma etapa mais minuciosa, com entrevistas individuais conduzidas pelo oficial ou preposto autorizado. Nessas entrevistas, são verificados o domínio do idioma, o conhecimento da localidade, histórico escolar, utilização de serviços públicos, vínculos familiares, eventual posse de documentos anteriores e demais elementos que possam reforçar a veracidade das informações prestadas.

         Essas medidas destacam a importância do registro tardio como instrumento de cidadania jurídica. Como afirmam Brito e Lima (2024), embora a personalidade jurídica seja adquirida com o nascimento com vida, é por meio do registro civil que o indivíduo adquire aptidão para exercer direitos no plano institucional. A certidão de nascimento, além de formalizar a existência legal, torna o sujeito visível ao ordenamento jurídico, permitindo-lhe acesso a políticas públicas, reconhecimento identitário e inclusão social efetiva. Os autores ressaltam, ainda, que o registrador exerce função de garantidor dessa cidadania inicial, dando concretude à dignidade da pessoa humana por meio de um ato técnico que ultrapassa o mero aspecto documental (Brito; Lima, 2024).

         A consolidação normativa também atende a finalidades sociais mais amplas. O registro tardio é essencial para combater a invisibilidade civil, especialmente em regiões marcadas por desigualdade. Nesse aspecto, destaca-se a contribuição de De Souza (2025), ao demonstrar que a ausência de registro está fortemente correlacionada com baixos indicadores de desenvolvimento humano. Nas regiões Norte e Nordeste, onde os índices de sub-registro ainda são elevados, a falta de certidão de nascimento compromete o acesso a direitos básicos como saúde, educação e assistência social. O autor observa que, sem registro, o cidadão não apenas deixa de exercer seus direitos: ele sequer é reconhecido como destinatário deles. O registro civil, portanto, não apenas inaugura a cidadania formal, mas rompe ciclos de exclusão que se perpetuam por gerações (De Souza, 2025).

         O art. 485 confere ao oficial a atribuição de decidir pela lavratura do registro, com base na documentação e nas entrevistas colhidas. Em caso de dúvida fundada ou suspeita de fraude — como identidade duvidosa, duplicidade de assentos, falsidade de declarações —, o procedimento será remetido ao juízo competente (arts. 490 e 491). O art. 495 trata da hipótese de duplicidade de registros, determinando o cancelamento do segundo e a transposição das anotações compatíveis ao primeiro.

         Casos excepcionais também são abordados. O art. 486 prevê procedimento simplificado para menores de 12 anos, quando apresentada a Declaração de Nascido Vivo (DNV), inclusive com possibilidade de emissão pelo próprio oficial em partos sem assistência profissional, desde que haja posterior comunicação ao Ministério Público. Já os arts. 492 e 493 preveem a atuação do Ministério Público como legitimado ativo para requerer registro de pessoas em instituições de longa permanência, hospitais psiquiátricos, em situação de interdição ou quando houver inércia do curador.

         Para os operadores jurídicos e candidatos à delegação de serviços notariais e registrais, compreender o registro tardio exige mais do que a memorização de artigos. É preciso articular o conteúdo normativo com os fundamentos constitucionais da função registral. O oficial de registro civil atua como agente de concretização de direitos fundamentais, e sua atividade é orientada por princípios como segurança jurídica, eficiência, veracidade e, sobretudo, dignidade da pessoa humana.

         A normatização do procedimento de registro tardio, longe de ser um simples protocolo administrativo, traduz o compromisso institucional do Poder Judiciário — por meio do CNJ — com a inclusão civil de brasileiros que historicamente estiveram invisibilizados. Dominar esses dispositivos é, para o futuro delegatário, mais do que estar apto a lavrar um assento: é compreender que cada ato registra mais do que um fato — ele reconhece uma existência e valida uma história.

Por fim, é indispensável destacar que o estudo detido do Código Nacional de Normas – Foro Extrajudicial representa a chave para compreender a estrutura orgânica do direito notarial e registral tal como concebido pelo Conselho Nacional de Justiça. O CNN não apenas consolida a prática normativa das serventias extrajudiciais, mas expressa uma verdadeira filtragem institucional da função registral, alinhada a valores constitucionais, à simplificação procedimental e ao fortalecimento da cidadania civil.


📚 Referências bibliográficas

BRITO, Rafael Almeida Cró; LIMA, Thiago da Penha. A efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana por intermédio do registro civil. In: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Sua história tem nome e sobrenome: registre-se – Semana Nacional do Registro Civil. Brasília: CNJ, 2024. p. 51-60. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/artigos-registre-se-web.pdf. Acesso em: [inserir data de acesso].

DE SOUZA, Arlei Inácio. Registro Civil de Nascimento, Dignidade da Pessoa Humana e Desenvolvimento: Uma Análise do Sub-registro no Brasil. Revista Aracê, São José dos Pinhais, v. 7, n. 2, p. 9805-9839, 2025. Disponível em: https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/download/3566/4587/13623. Acesso em: [inserir data de acesso].

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023. Institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/Provimento-149.pdf. Acesso em: [inserir data de acesso].

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 177, de 15 de agosto de 2024. Altera o Provimento nº 149/2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5700. Acesso em: [inserir data de acesso].

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